Véspera do dia 2 de novembro

Monica Santana
2 min readNov 2, 2020

Escrever tem sido a coisa mais difícil dos últimos tempos. Escrever tem sido impossível. Escrever projeto eu consegui. Escrever matéria também. No meu diário com muito esforço, enorme, eventualmente. De minha tese estou apartada. Não consigo. Empacada no capítulo que demanda de mim, escrever sobre os afetos. Ao sentar aqui, nesse esforço de escrita, percorre-me inteira um filme dos últimos dias. Dos últimos dias desde que esse ano tomou prumo com pandemia, acompanhando sessões de quimioterapia de minha mãe, fazendo um esforço enorme para ser funcional e positiva. Dias e dias dormindo em hospital, conversando quase que exclusivamente com o gato, chorando sozinha sobre o travesseiro. Talvez pela primeira vez desde que começou esse bloqueio criativo, dou-me conta de que estou tremendamente cansada. Apesar de produtiva, ativa e aparentemente animada, estou triste. Tenho o coração partido, sonho com minha mãe, não sinto a brisa do mar há oito meses e moro a 500 metros da praia. Durante esses meses que passaram lutei por ser disciplinada. E agora parece que tenho as pernas trêmulas e os olhos fundos de sono. Dou-me conta que não me sinto no direito de descansar: como disse, não consigo produzir o suficiente para tese, tenho relatórios para escrever, mesa disso, daquilo e daquilo outro, uma mudança de um apartamento em que moro há 13 anos para fazer para uma casa entulhada com coisas de gerações e gerações. Não posso descansar. Vez ou outra sinto algum lampejo de desejo… vontade de alguém, mas todo o trabalho envolvido para conseguir conhecer alguém que porventura possa me desejar é o tipo de atribulação que me esgotaria. Eis que reconheço aquilo que às vezes esqueço: estou de luto. E aceitar o luto me acalma de algum modo. Torno-me compassiva. Estou de luto e tudo em mim é cansaço. E já não tenho forças para ser perfeita como minha Lua em Virgem aspira e me faz trabalhar incansavelmente. Estou de luto e pela primeira vez na vida, num dia 2 de novembro, comprarei flores e cumprirei a agenda que o dia pede. Eu que sempre me disse que isso não era necessário, que isso, aquilo, aquilo outro. Minha alma pede reverência, oração. E assim farei.

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Monica Santana

Sou Multidisciplinar. Jornalista, performer, dramaturga, atriz. Educadora e Doutoranda em Artes Cênicas. Quatro planetas em Sagitário: Seta apontada para o Sol.